Crônicas com Jakson Silva


ANGÚSTIA DO HOMEM VAIDOSO

Há vários anos ele trabalhava na empresa. Encarregava-se da elaboração dos relatórios, além de outras tarefas de responsabilidade. Os freqüentes elogios que recebia pelos seus trabalhos, foram pouco a pouco lhe tocando sua vaidade. Chegou ao ponto de caprichar suas tarefas unicamente para ouvir os elogios dos colegas e dos superiores. Assim, fazia o trabalho mais para ser elogiado do que para desincumbir-se das responsabilidades que lhe valiam um bom salário. Enfim, preferia um pequeno elogio a um grande aumento de vencimentos. Daquela vez, com a mudança de supervisor, envidava todos os esforços para manter a tradição dos elogios. Para isso, vinha se desdobrando na confecção do relatório, com a segurança de quem estava certo do sucesso, das conseqüentes palavras de admiração. Chegou mesmo a sonhar com a maneira pela qual o novo supervisor elogiaria seu trabalho, detalhe por detalhe. Afinal chegou o grande dia. Com ar do sujeito que cumpriu a obrigação muito melhor do que a empresa merecia, encaminhou-se para o gabinete do supervisor, e apresentou o trabalho: um catatau de 500 folhas, cuidadosamente numeradas, guias divisórias, sinais cook de todas as cores, gráficos estatísticos, anexos, fitinhas etc. Supervisor, testa franzida, começou a examinar o trabalho, emitindo gritinhos de admiração. Uma folheada rápida e exclamou embevecido: - Sim senhor, mas que maravilha! Que trabalho! Enquanto isso, nosso amigo babava de satisfação, sentindo-se já completamente à vontade e pago de toda a trabalheira que tivera. Finalmente chegou a grande hora. O supervisor se vira para seu lado e exclama: - "Por favor, chame o digitador. Quero cumprimentá-lo..."
jun/2012

ANGÚSTIA DO HOMEM PONTUAL

Possui grande obsessão por horários. Ele se interessa muito não só pelas horas, mas também pelos minutos e segundos. É o chamado cumpridor do horário britânico – seria por causa do Big Ben? –.
Segundo o Calendário dos Maias, o mundo deve se acabar neste ano, exatamente no dia 21/12/2012. Antes aconteceu assim: Numa ligeira enquete que realizei entre alguns colegas, sobre "o que fariam quase no limiar do fim do mundo", obtive resultados bastante pitorescos. Isso causado pelas previsões do profeta Elio Bianca, pediatra nas horas vagas, que anunciara o fim do mundo para o dia 14/07/1960 às 13h 45m.
De maneira geral, ninguém acreditou sinceramente nas possibilidades de tudo se reduzir a nada – conforme deveria ser se o mundo realmente se acabasse – espetáculo difícil de ser delineado, impossível de ser imaginado.
Dentro, portanto, de um espírito bastante esportivo, meus colegas manifestaram suas impressões, seus planos, seus desejos para a hora previamente anunciada pelo fabuloso esculápio. Alguns, aliás, estenderiam o prazo para a realização desses planos de muitos dias antes, caso acreditassem na notícia de Monte Branco (fronteira franco-italiana).
Muitos dos entrevistados dedicariam seus últimos momentos a dizer desaforos e até mesmo a espancar algumas pessoas, façanhas somente realizáveis às portas do fim do mundo...; os previdentes se poriam a se arrepender dos seus pecados; os "espertos", a realizar desejos bastante relacionados com o 9º Mandamento; outros, a ouvir uma boa música, outros, ainda, a ler um bom livro, etc. A maioria, entretanto, se enquadra dentro do primeiro caso, isto é, dar vazão a passados desaforos levados para casa.
Mas tudo isso é brincadeira, pois na realidade ninguém levou a sério as previsões do nosso amigo profeta, o que é perfeitamente compreensível.
Apenas não compreendemos o interesse desusado de muita gente boa, pelo relógio, naquele dia, depois das 13 horas...
O homem "angustiado" não se conformava – não pelo fato de o mundo não ter se acabado – mas pelo descumprimento do horário...
mai/2012

ANGÚSTIA DO HOMEM LETRADO

Segundo o célebre dicionarista Antonio Houaiss; letrado é: "1 que(m) possui cultura; instruído 2 que(m) possui profundo conhecimento literário; literato".
Realmente, assim é nosso "angustiado" amigo, cujo nome é Oswaldo, com W, conforme faz questão de frisar. Ele, Oswaldo, está sempre acometido da mania de citar autores e obras, a começar, é claro, com Machado de Assis: o conto "Missa do galo", o grande romance "Dom Casmurro" em que ficou famosa a bela Capitú ou Capitolina seu nome completo. Cita também o cronista Humberto de Campos em especial "Sombras que Sofrem". Em seguida, Jorge Amado: "Gabriela Cravo e Canela"; Érico Veríssimo: "Olhai os Lírios do Campo" e a trilogia "O Tempo e o Vento"; Eça de Queiroz: "Os Maias"; Pedro Nava: "Baú de Ossos" e outras obras que compõem suas Memórias; Fernando Sabino: "Encontro marcado"; Monteiro Lobato; "O sítio do pica-pau amarelo" entre tantos outros títulos que constituem sua literatura infanto-juvenil, e na literatura geral ficou famoso com "O escândalo do Petróleo e Ferro" que lhe rendeu até cadeia... Acrescenta ainda, nosso amigo angustiado, na sua imensurável lista de autores e obras, Clarice Lispector: "A paixão segundo G.H."; Rachel de Queiroz: "Memorial de Maria Moura"; Dinah Silveira de Queiroz: "Floradas na Serra"; Isabel Allende "A Ilha Sob o Mar"; Gabriel Garcia Marquez: "Cem Anos de Solidão"; Mario Vargas Llosa: "A festa do Bode"; Cecília Meireles: " Flor de Poemas"...
Conforme dizem os antigos, tudo que é muito recomendado termina mal! Foi exatamente o que ocorreu: de tanto recomendar ao Contínuo: meu nome é Oswaldo com "W". Oswaldo perplexo, meio abobalhado viu seu nome assim gravado na caneta que lhe foi dada por uma pessoa muito especial: WOSWALDO
abr/2012

ANGÚSTIA DO HOMEM  DISTRAÍDO

Aproximava-se a hora de fechar o escritório. Dando um retoque nos papéis acumulados sobre a mesa, trancou a gaveta e desligou o computador. Neste momento, o telefone tocou. Tornou a colocar o casaco no espaldar da cadeira e tomou do telefone. Uma voz, do outro lado:
- "Querido, como vai? Não se esqueça do que lhe pedi, hein?
- Uma Beijoca".
Ele não teve oportunidade para falar sequer "alô".
Colocou o fone no gancho e começou a pensar que coisa ela lhe havia pedido.
Saiu. Na rua, andando vagarosamente, fazia um esforço tremendo para se lembrar. Telefonar não ia, pois era necessário evitar mais uma briga. Ela diria simplesmente: "é assim, você não liga para o que a gente fala. Pode deixar, não precisa mais não."... e passaria uma semana amuada. Resolveu tomar uns drinques para refrescar a memória. Mas nada. Já passava da hora de ir para casa, porém ele não ousava regressar sem se lembrar da "coisa". Entrou num cinema, demorou pouco mais de trinta minutos e saiu. Sentia-se cansado e com vontade de regressar a casa. – Que fazer? – Bolas, que se dane. Entrou no carro e se dirigiu para sua residência. No elevador consultou novamente o relógio: 23h30min.
Abriu a porta. Antes de entrar, coisa estranha, ele se lembrou nitidamente dessas palavras, com um arrepio: "Querido, temos convidado para o jantar. Chega mais cedo hoje"...
mar/2012

ANGÚSTIA DO HOMEM PESSIMISTA

Ele Chegou em casa às 22 horas. Cansado, ao deixar o emprego, sentiu a sensação de que algo de anormal havia ocorrido durante sua ausência. Perambulou por várias ruas sentindo seu coração oprimido e com a certeza de que alguma "tragédia" havia ocorrido com sua família. Vencido pelo cansaço tomou rumo de sua casa e lá chegou finalmente. Nervosamente meteu a chave na fechadura e esperou, mas o único ruído que se ouvia era o palpitar de seu coração apressado.
Ainda com a chave no orifício da fechadura, empurrou lentamente a porta. Tudo escuro, tudo silencioso, parecendo confirmar suas suspeitas ...
Enchendo-se de coragem, abriu totalmente a porta e entrou. A seguir encostou-se à porta fechada e respirou fundo, afim de acalmar-se, quando... luzes se acenderam e... dezenas de vozes gritaram:
FELIZ ANIVERSÁRIO!!!
fev/2012
ANGÚSTIA DO HOMEM MEDROSO
Quando o avião começou a fazer um ruído estranho, suas  apreensões aumentaram. Bem que ele não topava muito esse negócio de voar.
- Mas que fazer?
- Era uma viagem de emergência. Não havia outra solução.
Enquanto nuvens brancas e brilhantes passavam pela janela, seus pensamentos desfilaram toda sua vida, numa espécie de balanço.
Ainda soavam aos seus ouvidos as palavras do filho de apenas  quatro anos, muito excitado com a viagem do pai, coisa absolutamente incomum: "papai, sonhei que a asa de seu avião bateu numa árvore".
Agora ali estava ele a mercê daquele monstro, cujo motor começava a falhar assustadoramente. O suor lhe descia pelo corpo entorpecido pela tensão. Mãos agarradas nos braços da poltrona e pés fincados no assoalho do aparelho.
De repente uma pequena explosão e o monstro metálico foi perdendo altura, perdendo, perdendo...
Noite. Soa uma campainha. O mensageiro entrega o telegrama ( ainda se usava ).
Mãos nervosas rasgam o envelope "Cheguei bem. Saudades".
dez/2011



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